domingo, 17 de maio de 2009

Ser Ateu é...

Tem gente que não sabe o que é ser ateu... mas basicamente ser ateísta é não precisar de um Deus nem de deuses para justificar os próprios atos. Não é simplesmente "negar" a existência de deus/deuses. É assumir a responsabilidade de estar vivo e viver conforme a própria consciência, fruto do funcionamento cerebral.

Ser ateísta portanto é não ter vínculos com outras realidades supra-humanas, é estar livre para decidir por si mesmo, sem medo de estar indo contra ou esperando estar a favor de algum tipo de supra-consciência à qual se deva obediência. É reduzir as crenças a um número limitado delas, focadas no aqui/agora. É não se saber ligado aos demais por algum tipo de poder sobrenatural mas simplesmente pelo fato de "apenas" ser um ser humano convivendo entre os demais seres humanos e de acordo com as leis humanas. É não esperar recompensa por seus atos senão aquelas que outros seres humanos possam oferecer como recompensa.

Ser ateísta é ser "simples", é ter cortado todo excesso, é enxergar a vida pela perspectiva humana, sem a necessidade de deificá-la nem a necessidade de deificar a que quer que seja. E lógico que ateístas têm Fé, Fé em si mesmos mas ela não os "cega", pelo contrário, ela faz abrir os olhos para o que está acontecendo a fim de que se tomem as medidas necessárias, sem acreditar numa outra justiça maior do que aquela que possa ser levada a cabo por si mesmo ou pelos desígnios humanos.

Da mesma forma como não há provas da existência de Deus e, caso alguém afirme categoricamente que Ele existe o ônus da prova recai sobre quem afirmar, também não há provas de que ele "não existe" e nenhum ateísta se engajará de buscar as provas de uma "não existência", uma vez que não há meios de provar que algo não existe...

Contudo, há meios sim de aceitar a existência de algo que
comprovadamente existe. Portanto, para um ateu deixar de ser ateu bastaria que alguém provasse a existência de Deus, coisa essa que os teístas em sua Fé em Deus ainda não foram capazes de provar... e aí? Qual o problema em ser Ateu? Se para que Deus exista basta que se creia nele, alguém que negue a necessidade de crer em Deus não pode ser tomado como portador de uma Fé cega... apenas alguém não preocupado com o que não faz falta.

Faça uma experiência sem medo: tire Deus/deuses do palco da
existência e veja, perceba o que sobra. O que sobra? A mesma vida de sempre... contudo muito mais "ameaçadora" pelo fato de exigir a própria tomada de decisões ao invés de depositar-se tais decisões em alguém ou algo além de "si mesmo". Perceba que não tem mais ninguém observando seus atos além de você mesmo e assim qualquer coisa que você faça estará de acordo apenas com a sua vontade, não a vontade de um ser superior a você. Pense nisso.

A crença em Deus antes de ser uma "necessidade" é o maior dos vícios. Ela expressa imaturidade e a necessidade de um Pai guiando os próprios passos de quem estiver "viciado" em acreditar num "pastor", num condutor. É alienante e altamente prejudicial ao desenvolvimento pleno da potencialidade humana... Visto dessa perspectiva, um Ateísta só perdeu o vício, como alguém que deixa de fumar, como alguém que deixa de beber, como alguém que deixa de se drogar e entorpecer... Um ateísta "sabe" que ele é o responsável por qualquer atitude que venha a tomar. Daí a opção pela Ética acima de tudo.

Há várias questões para as quais Deus e a espiritualidade é a resposta, e que de certa forma quem tentar respondê-las pode vir a fundamentar-se na crença em nele ou em espíritos fim de validar as possíveis respostas... vamos a algumas delas, numa espécie de FAQ:


Como a Matéria sem vida cria vida? A resposta seria: através da vontade de Deus? Ou...

Um segredo? Qualquer porção de matéria que contenha os ingredientes necessários ao desenvolvimento de organismos simples, ganha "vida" no correr do tempo sob as condições propícias ao desenvolvimento de tal "vida". O Universo parece ser apto ao desenvolvimento de vida, a matéria parece
ser apta a desenvolver seres conscientes em algum ponto da jornada evolutiva... mas e aí? Acrescentar um ingrediente a mais em algo não faz desse ingrediente uma necessidade... a menos que se prove que "SEM" tal ingrediente a vida não se forma... coisa que parece que está prestes a ser comprovada, ou seja estamos prestes a comprovar que bastam os ingredientes e as condições necessárias ao surgimento da vida para que ela simplesmente "ecluda", apareça. Mas isso é prova da existência de Deus ou apenas uma das várias
qualidades da matéria que ainda não conhecemos totalmente?

Como se dá a Percepção extra sensorial? A Espiritualidade parece Ter a resposta mas... 

Somos animais como todos os demais. Temos sentidos que ainda não conhecemos. Alguns animais têm sentidos
mais apurados que outros... percebem variações sutis na atmosfera, vibrações sutis na forma de sons inaudíveis mas que podem ser sentidos pelas partes moles ou ocas do organismo. Nós percebemos estes sons inaudíveis... percebemos o campo magnético da Terra, percebemos de que forma está tudo interligado na teia da vida... mas
isso é prova de que Deus existe, ou apenas uma das condições de se estar vivo e imerso num sistema fechado onde tudo co-participa e é co-dependente? A suposta "ligação" entre as pessoas a quilômetros de
distância pode ser simplesmente fruto de algum sentimento que as une e isto sim deveria ser estudado, a forma como o Amor faz romper barreiras entre o Eu e o Outro... mas o Amor é prova da existência de Deus? Ou é algo "imanente" na própria "vida"? O que é o Amor para que possa ser confundido com um "algo mais" além de nós mesmos?


Como a Matéria sem propósito criou o propósito e a ordem? 

Mas, quem "vê" tal ordem? Quem "vê" tal propósito senão nós mesmos? O universo é um caos que nós percebemos ser ordenado... a inteligência é capaz de ver tal ordem... mas isso é prova de que Deus existe? Ou a necessidade de "ver" tal ordem nasce da necessidade de compreender o caos? "Ver" padrões indica que algo está sendo compreendido, nosso
cérebro funciona assim, ele seleciona partes desconexas e as agrupa conforme as semelhanças encontradas entre elas... onde está Deus na ordem que nós mesmos emprestamos ao Universo?



E a Reencarnação... como se explica sem a existência de espíritos e Deus? 

Hum... Você sabe como o cérebro funciona?
Nem os cientistas sabem completamente... mas estão pesquisando ao invés de atribuir as qualidades desse órgão à existência de um Deus ou de uma consciência migratória. Sabe-se hoje em dia que tudo o que experimentamos nasce do equilíbrio físico-químico das reações que desencadeiam os pulsos elétricos a serem transmitidos em cadeia pelos
neurônios dentro do cérebro. Ampute-se uma parte disso, lesione-se alguma região lá dentro da cabeça de um indivíduo e a "personalidade" diferenciada por algum ou outro atributo já não existe mais! Leia o Erro de Descartes do Damásio, leia O Mistério da Consciência, O Sentimento de Si também dele. Não estou "mandando" que se leia... é apenas uma sugestão.



Assim só para concluir, ser Ateu não é negar a maravilha, o
grandioso, o magnífico. É simplesmente não precisar de explicações com base na "fé cega" para algo que carregamos conosco mesmos...
Tire Deus agora e o que sobra? O Universo, toda a maravilha e beleza que nós experimentamos a partir de nossa inteligência e nossa capacidade de vermos padrões e ordenação. Não há palavras para se descrever o fato de sermos partes disso tudo e termos inteligência para perceber a grandiosidade e a infinidade contida em cada porção mínima de matéria. Quem já tenha lido sobre a física de partículas, sobre Mecânica Quântica já faz uma idéia: A maravilha não para no átomo, ela adentra ainda mais esse mundo diminuto estendendo-se para além dos limites de nossa compreensão. Para quê Deus e tudo o que nos condicionamos a acreditar que Ele represente para nós? Já não basta estarmos vivos e experimentando o mundo? Para que um regente supremo de nossos atos além de nós mesmos? E se tudo é imensamente maior do que percebemos, para que cedermos a uma certeza que é a Fé na existência de Deus?
Percebe? Ser ateu é ater-se ao presente e simplesmente vivê-lo... é estar ancorado no meio do nada que se faz tudo quando é observado e vivenciado a partir da inteligência seja ela humana ou animal, seja ela inerente à matéria ou não, não importa.

Lígia Amorese Gallo
Dez/2003 

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Criando Deus

O que é inerente ao gênero humano, pertencente ao grupo dos primatas,é o respeito à hierarquia. Tudo o que viemos criando desde os primórdios da civilização tem por base o respeito à hierarquia. Isto vem sendo estudado a partir do comportamento dos grandes símios, caso dos gorilas e orangotangos. Eles têm a liberdade de elegerem um soberano e seguem-no fielmente. Fêmeas dão preferência a ele para procriar, existe sempre uma fêmea predileta, existem outras que lhe rendem tributos, assim como ao "soberano" do grupo, que disputa seu título com outros em brigas para provar quem é o mais forte dentre todos..Assim com bases no "seguir as normas hierárquicas", nós humanos criamos nossos representantes na figura de Reis, Patriarcas,Dirigentes, Presidentes... já que temos esse princípio de obediência ao soberano em nossos códigos genéticos. Ao nos estruturarmos em grupos maiores, nós humanos vimos que em certas circunstâncias ficaria difícil eleger um soberano supremo que fosse obedecido fielmente pelas demais tribos sem contestação. Como a superioridade acabou sendo frágil senão em termos absolutos, a idéia de um DEUS soberano foi implantada. Ao abraçarmos a idéia de um Pai criador, um Deus, ou Deuses acabamos com este problema inerente à necessidade humana de ter um superior e temos condições de "eleger" não mais por provas de força física, aqueles que teremos por representantes desse Deus, ou de tudo o que é bom e perfeito (portanto não humano) na Terra.

Ao afirmar-se que o ser humano tem por base a busca pela felicidade, a paz entre os membros, incorre-se no erro de não prestar atenção ao que é marcante no gênero humano: a vontade de ser líder, de comandar, de ter poder sobre os demais membros da sociedade. Aos homens cabem as provas físicas de poder, sejam elas com bases apenas na exteriorização da força bruta( por parte daqueles que tenham dotes físicos para tanto ), até da "força intelectual", que prevalece entre aqueles espécimes humanos não tão bem dotados fisicamente a ponto e vencer brigas, acabando por vencê-las pela inteligência.Uma forma encontrada pelos fracos que querem ser fortes e seguidos,tem sido criar normas e regras que visem fazer a humanidade "irmã" em torno de uma idéia base. Quando essa idéia base é Deus, somos irmão sem Deus e obedecemos as leis criadas pelos homens fracos física ou intelectualmente, em nome desse personagem Deus a fim de "nivelar" as diferenças entre as castas humanas, que todos reconhecem ( propensão genética ) que existem mas passam a não admitir a existência a partir do momento que se consideram "irmãos em uma causa"!

Ao acreditarmos em Deus Pai, Deus Ciência, Homens Deuses, estamos apenas seguindo o plano humano para aceitar as limitações e a própria condição de fraqueza "por não ser forte o suficiente para ser soberano do grupo", ou no caso das mulheres "a fêmea predileta"!Isso é a simplificação da simplificação em termos do que acontece nas sociedades, mas os exemplos são tão claros que me é impossível aceitar tal argumento como não mais do que "a mais cândida verdade"quando falamos da necessidade de termos estruturas de pensamento que visem o "nivelamento" no mundo. Vivemos aquilo que temos em nós, e quê acreditamos, e as sociedades falam disso o tempo todo. Tudo o que pensamos, seja em termos religiosos, políticos, filosóficos apenas validam esta necessidade de elegermos nossos líderes quando não estamos em condições de pleitear tal liderança, ou quando exercemos a liderança sem sermos merecedores dela.Um exemplo típico disso pode ser encontrado nos que criam seitas religiosas ( ou não ) "do nada" e que angariam seguidores apaixonados. Estes criadores de seitas não raro apresentam uma aversão ao gênero humano por simplesmente não fazer parte do "time de frente", por não ser o mais belo, por não ser o mais inteligente, por não poder vencer aos demais em exibições de poder, por ser de uma casta ou raça considerada inferior. Estes "criadores de seita"então, munindo-se de seguidores que considerem inferiores a si mesmos, iniciam movimentos que visem a inversão dos valores que os excluem do poder na sociedade à qual pertençam. Aos seguidores detais homens, acaba havendo a tarefa de enaltecer-lhes as virtudes afim de validar a adoração que rendam a eles, ao que eles pregam.Normalmente os medíocres agrupam-se em seitas deste tipo e não raro chegam ao poder e ao controle de grandes massas humanas. Vide exemplos nas sociedades Fascistas e em regimes onde prevalece o Fundamentalismo Religioso à frente dos representantes políticos.

Num lado oposto, convém destacar, existem aqueles que não têm tanto interesse pelo poder, mas seus feitos pelos demais do grupo são reconhecíveis e admiráveis. Estes são os líderes natos ( alguns tornaram-se pilares das religiões vigentes no mundo), ou simplesmente reis que fizeram seus seguidores alcançarem vitórias memoráveis e que são aclamados e idolatrados. Não raro, esses representantes dignos que são elegidos pela sua capacidade latente e inerente em si mesmos,são mortos e espezinhados por aqueles que se sentem "invadidos" e ameaçados em sua pretensa e inválida ascensão ao poder. Estes medíocres, munindo-se de conceitos medíocres que lhes validem as ações medíocres, matam e trucidam todos aqueles que lhes ponham à mostra a própria inferioridade "escondida" dos olhos dos demais pelas regrinhas criadas e pelas "verdades" que criam. Os que os seguem e professam suas regras são da mesma categoria.Assim eu não considero válido o argumento de emprestar ao ser humano virtudes tais que o façam "buscar ideais de beleza e felicidade" para todos. Antes, todos buscamos o poder, seja através de nossos próprios feitos, seja através daqueles ou daquilo em que acreditamos que nos façam alcançar tal poderio. Os exemplos disso podem ser encontrados até em listas de discussão. Há exemplos inclusive no que se considera "submundo das drogas". Em seus cartéis, estes que vivem à margem da sociedade, criam seus próprios líderes e seus representantes. O Deus nesse caso passa a ser o Dinheiro, sendo a riqueza uma das formas mais convincentes de demonstração de poder...como já diziam, quem não tem cão, caça com lagartixa e cada um busca para si as crenças que validem sua ânsia de "ser o bom, o tal, o maioral". Os meios pelos quais alcançam esse "status" varia conforme o que cria os grupos.

Vale matar, vale roubar, vale destruir, excluir, traficar, burlar...tudo o que é errado faz parte da vida humana, mais do que todas as virtudes enumeráveis. Isso porque as virtudes e sua aceitação, são apenas consequências diretas da necessidade de "acalmarem-se os ânimos" daqueles que se considerem inaptos a pleitear o poder por si mesmos. O que vale, no final das contas é combater. Quem não se sente forte para lutar por si mesmo, apela para conceitos que validem sua inferioridade em bases aceitáveis e isso é tudo.Visão tenebrosa essa, mas é apenas um retrato realista da verdadeira condição humana. Pode-se ver algo de bom nisso tudo, afinal sobrevivemos... mas isso devemos a quem criou o conceito de Deus,desde lá nos primórdios... só assim pudemos sobreviver e chegar até os dias de hoje "ilesos de nós mesmos". Não que isto valide a idéia da existência de um Deus soberano. Antes, valida a idéia de que devemos a nossa sobrevivência frente os nossos instintos de destruição e auto-aniquilamento, pela prática da Fé em um ente supremo e seu séquito que permitiu que NÃO nos matássemos uns aos outros de forma mais "acintosa".Até que para primos de Gorilas fizemos bonito...

Lígia Amorese,
maio 2002