terça-feira, 2 de março de 2010

Pois é...



Vim de cidade grande. Nasci em São Caetano do Sul, SP. Estava sempre em contato com italianos, falava um português italianado que só quem viveu a vida perto de italianos aqui no Brasil conhece... e nem se dá conta. Pois então, eu falava italianado quando era criança e não sabia disso. Até que vim morar no interior... há 30 anos.

Preconceito? Sei sim o que é isso. E eu não tinha uma religião
diferente, nem sou tão diferente assim, vai. Só que eu era um ET no meio de outras crianças que viviam aqui no interior há 30 anos e que de forma alguma estavam acostumadas a falar nem ouvir falar do jeito que eu falava. E eu achava o jeito delas falarem horrível... assim não sentia tanto quando elas me apontavam dizendo: -
Ói como qui ela é branca! Lumeia! Ô espichada! Sã, você num si pareci nada com a gente... e lá ía eu pro canto e, se brincava na escola, sempre alguma inspetora ficava por perto prá evitar que eu machucasse os
pequeninos... e eles tinham a mesma idade que eu.

Eu só era 20 a 30cm mais alta, mas isso nem era problema... o problema maior é que eu já estava alfabetizada, montando frases, lendo e escrevendo e eles ainda no
vovó vê a uva... e a professora me excluía para não desestimular os demais: eu não podia mostrar o quanto eu sabia, pronto!

Vivi 1 ano e meio desse jeito até que mais uma menina de São
Paulo veio estudar naquela escolinha. E eu fiquei tão feliz! Ela
era mais ou menos do meu tamanho, falava do mesmo jeito! E ela também gostou de me encontrar ali, a gente falava das mesmas coisas, brincava do mesmo jeito, tinha pais operários, não era filho de fazendeiro nem dono de alambique...

Não demorou nada para que outras crianças nos achassem metidas, esnobes, e assim elas começaram a nos excluir de todas as brincadeiras possíveis, fazendo com que a gente se unisse ainda mais. Assim, diante dessa postura "racista" dos demais, eu e ela comprávamos o lanche uma para a outra, nós nos ajudávamos uma a outra com as lições, com o entendimento das aulas, sentávamos juntas... e resolvemos criar um grupo restrito, onde taubateanos "autóctenes" não entravam!

Com o tempo mais gente foi chegando e nós ciceroneávamos os recém chegados. A Ford de Taubaté chamava o restante do quadro de funcionários, assim como a Volkswagen. Já não éramos alguns mas uns poucos que com o tempo se tornariam muitos e aos poucos, a sensação de precisar da companhia dos "iguais" foi passando... mas foi bem forte no começo. E aos taubateanos não restavam muitas opções não: era só nos aceitar ou viver correndo da gente...

Até hoje eu destôo da gente daqui. É uma questão genética, ser alta, ter uma cultura diferente, gostar de coisas diferentes. Já não me apontam mais na rua, nem eu me sinto excluída. Mas ainda é um prazer imenso conhecer gente que é da minha terra... e é um prazer maior ainda ouvir o sotaque tão peculiar do pessoal mais velho de São Paulo quando eu vou prá lá, aquele jeito italianado, cantado e gritado de falar.

Isso lembra alguma coisa? Lembra sim... que muitas vezes os
diferentes que são iguais em alguma coisa se vêem forçados a formarem grupos para sobreviverem em meio aos demais diferentes. Com os judeus não tem sido diferente disso... nem com os brancos vivendo num países de negros, nem com negros vivendo em países de brancos, nem amarelos vivendo em meio a nórdicos, nem com ateus vivendo no meio da crentaiada... é assim. Somos esnobes, metidos, excludentes e excluídos: somos OS DIFERENTES! E se quiserem fazer parte, não dá, infelizmente, já que não se pode mudar a ascendência genética, os costumes enraizados, o conjunto de crenças só por opção. Tem que fazer parte, ou não...

Postado em abril/2003 - Lista Noosfera - Yahoogroups