quinta-feira, 28 de julho de 2011

No buraco mais embaixo de tudo...

Interessante...

Cena um, tomo um, ação: Como um vento ruim soprando as páginas do tempo, o termo "Darwinismo" associado a massacres volta com força depois dos atentados na Noruega em 22 de julho último, levados adiante por Anders Behring Breivik. Cristãos, arrogando-se o direito de contradizer Darwin em sua teoria da Evolução, costumam associar as práticas nazistas da segunda guerra com a teoria de Darwin, desmerecendo-a, ao reduzi-la a um dos mais fortes motivos para que o nazismo se empenhasse na "purificação" da população mundial, eliminando os "refugos" e desenvolvendo uma raça "superior". E isso, como é de se esperar, cai feito uma bomba sobre as mentalidades afeitas a colocarem a culpa pelo caos social nas costas de quem "não tem Deus no coração" e que "segue" a ciência. Darwinismo = ateísmo => coisa de quem não tem Deus no coração.

Tomo dois: Do outro lado, como um vendaval deslocando o centro de massa do sistema para o buraco mais embaixo, vejo uma motivação política visando a manutenção da Europa para os europeus, sendo tratada como mais um capítulo da série: "Amor cristão mata". Sem escrúpulo algum, reduzindo a intenção do sujeito à simples loucura de um pretenso fundamentalismo cristão tocando as trombetas de Jericó contra os infiéis, as motivações políticas egemônicas são lançadas a um último plano de abordagem, visando fazer fulgurar a irracionalidade inerente à fé religiosa como a causa principal do massacre na Noruega(oi?).

Observação: Sim, sim, mais do mesmo. Ao invés de procurar os motivos reais, ao invés de observar a tela ao fundo, parte-se para as cores berrantes em contraste. Polarização: De um lado, cristãos apontando o dedão unhento para uma característica de quem se atém à ciência para busca de respostas às questões do mundo. Do outro, ateus buscando respostas para os males do mundo na crença religiosa. Enquanto isso, lá no buraco bem mais embaixo de tudo, a razão, a motivação primeva, o que realmente impulsiona a roda da fortuna (a câmera adentra um fosso escuro, bem abaixo), dois olhos ambarinos faiscantes rompem a escuridão: A natureza animal.

Incólume, intocável, à espreita, nossa natureza animal dita nosso comportamento à revelia de nossas mais sublimadas intenções. A sensação é de derrota. Mas como, se somos humanos, seres pensantes, racionais, como nós nos deixamos carregar por instintos?(aqui eu vejo uma claquete fechando...)

Cena dois, um abre aspas gigante: O territorialismo, o senso de proteção à família, ao clã/grupo social em que estamos imersos, está entocado dentro de nosso cérebro límbico, uma camada abaixo e mais intrínseca de nossas mais elaboradas construções mentais, visando deslocar o eixo do sistema acima das raízes da árvore na qual ainda nos empoleiramos. Dessa construção teratogênica forçada, deslocando-se a copa para muito acima das raízes, o tronco exposto torna-se fino, fraco, um fio suspenso entre as nuvens no céu e o abismo. E é justamente nesse fio exposto, dividido entre os que crêem em Deus e os que não crêem, que desejam encontrar razões e fundamentação para todas as atividades humanas ilícitas. Fecha aspas (e claquete).

Cena três: Uma brisa revolve os finos cabelos loiros... ah, o ar de superioridade em olhos cinza brilhantes e frios como o fio de uma navalha. Anders Behring Breivik, 32 anos, norueguês, resolve fazer parte de um plano de erradicação dos islâmicos na Noruega. O plano exige a elaboração durante 18 meses. Um ano e meio de esforços concentrados. Nesse ínterim, um manifesto é escrito explicando as razões, os motivos, as metas, tudo compartimentalizado e, à primeira vista, não dizendo coisa com coisa. Sim, é mais fácil dizer que ele é só mais um louco. Afinal, quem perderia seu tempo elaborando um plano macabro com requintes de racionalidade?

Li gente chamando-o de psicopata. Outros alegam que ele é paranóico, narcisista. Um cristão fundamentalista de extrema direita. Um ateu "darwinista" sem deus no coração. E até agora, nenhuma menção a um ser humano exercendo sua intenção de defender seu grupo da invasão de outro grupo. Mas o caso é que grupos defensores da egemonia de um grupo são pura e simplesmente animais em luta pela defesa de território e do grupo. Quando o que nos torna humanos é sobrepujado por nossos instintos mais básicos, nós matamos, usurpamos, destruímos, tentamos eliminar a ameaça, sem remorsos pelo que possa advir de nossas ações.

Cena quatro: Como Moisés na bílbia levantando o cajado contra o Mar Vermelho, dividindo o senso comum, pessoas na busca por explicações visando emporcalhar o que for mais importante ser emporcalhado no momento, puxando a sardinha pra brasa do próprio fogareiro, ou atendo-se à pretensa loucura de Anders, deixam passar o mais importante nessa e em outras muitas questões humanas com que nos deparamos a cada folheada de jornal, a cada acesso a site de notícias. O que nos torna humanos, essencialmente humanos, é também o que nos afasta de nosso ideal de viver em harmonia com o Cosmos, na base de alcançarmos as nuvens subindo pelo fio fraquinho suspenso acima do abismo naquela construção teratogênica de nossas elaborações mentais, visando afastar-nos de nossa natureza animal. E sim... ela, a nossa natureza animal, ainda nos surpreende. Nós a negamos. Mas ela está lá e faz parte de nós.

A diferença entre religiosos que seguem seus deuses e ateus que os eliminaram é talvez o uso de hipocrisia para funções diferentes. Enquanto religiosos tentam manter a fachada de tementes a Deus e, portanto, "bons cidadãos", contando para isso com a hipocrisia da bondade de fachada, ateus contam com a hipocrisia de não estarem fazendo o mesmo que religiosos. E todos, sem discriminação, dançam conforme aquele ser de olhos ambarinos, à espreita no buraco mais embaixo de tudo, dita. Eu, atéia, também danço(derbaques em fúria, por favor...).

Cena final: Na dança do ventre, o som dos derbaques marca a dança mais primitiva, ligada ao sexo feminino, apenas ritmo, sem outros instrumentos. Ela massageia e revigora o ventre de forma a dar melhor sustentação aos músculos pélvicos, além de fazer a dançarinha gastar energia e irradiar vigor físico. Um frenesi. Enquanto isso, mulheres cobrem-se com véus, são obrigadas a isso por causa de sua religião. Homens que professam a mesma fé que as mulheres envoltas em véus, matam e castigam as mulheres que não se submetem. E essa gente que mascara a sexualidade sob mantos escuros e sombrios como o kajal adornando os olhos, não é bem vinda por pessoas como Anders em sua terra natal, lutando pela manutenção de costumes essencialmente europeus, há pelo menos 2000 anos. A igreja católica tem perto dessa idade na Europa.

Aí, vem gente e coloca representantes da religião católica de extrema direita como os mandatários de assassinatos dos de extrema esquerda na Noruega, visando erradicação de islâmicos na Europa. Minorias prejudicadas por representantes da ICAR em sua aceitação na sociedade, homossexuais, ateus, alimentam essa associação. Enquanto isso, lá embaixo, no fundo profundo de tudo, olhos ambarinos faíscam, à espreita...

Assinalando: Trajetória parabólica da defecação em direção à ventilação. (claquete fechando com estrondo...)